terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Os primos ( part.)


Era tarde, era o final da tarde e o primeiro dos treze havia partido. Agora, quase todo entardecer lembro-me de sua partida. A notícia de sua morte foi súbita. Em telefonema choroso recebi a notícia. E um pouco mais tarde um noticiário anunciou: - Jovem de vinte oito anos e um homem de quarenta anos foram assassinados. Dois homens chegaram de bicicleta e atiraram várias vezes. Nos primeiros tiros a intenção era matar, nos  sucessivos cometer um fuzilamento. Foi o que pensei e lembrei do mineirinho de Lispector.
Nunca sabemos quem o matou. Talvez sua falha humana, que encontrou outra já tão falhada e o fuzilou com toda sombra e maldade. Poderia ser qualquer outro, tantos outros filhos da falha, garotos sem pai, filhos do desespero. Uma vítima da escolha ou vítima da conseqüência? Sua pobreza e condição foram suficientes para que nunca mais se tocasse no assunto. Conclusão do caso: envolvimento com drogas e nunca mais se fala disso. O envolvimento com drogas era justificativa suficiente para um veredicto popular: - era um vagabundo criminoso. Ao engolir seus almoços conseguiam misturar comida e sangue e ouvir as fatídicas noticias de mais um de tantos jovens óbitos. Sem nenhuma dignidade e divindade julgaram aqueles que almoçavam ao ver o noticiário. 
Nesse dia parei para ouvir o noticiário, sem almoço. Assisti plácido o sangue derramado no chão, sem tarja e sem censura. Panos cobriam os corpos, pois os inúmeros tiros não haviam tirado uma, mas duas vidas e o termino de um jogo de domino.
 Entre as  flores baratas e as velas brancas percebemos que perdemos, éramos doze. Em seu sepulcro a vida, do mais velho dos primos, havia partido. Eram duas histórias, mas uma única cena. O menino magro, moreno de rosto sujo de poeira e lagrimas, de calção e pés descalços corria na rua de barro vermelho. Na palidez da face de seu pai, via o desespero do menino. 
 – Papai morreu, papai morreu. O menino em gritos histéricos dizia para si, e para ruela. A cena do seu pai ensanguentado, mesa virada e jogo no chão pouco pairavam em minha memória. Só menino que de tempos e tempos em minha lembrança passava correndo.

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